quinta-feira, 26 de junho de 2008

Eugénio Péssimo: I. reflexões diluvianas

O sentido necessita também de ter um aspecto simbólico, associado a determinado pensamento ou acção. A decisão implica uma dialéctica entre o agir - e o não agir. construir hipóteses de comportamento, e optar por aquele mais facilmente se ajustar a determinada situação concreta. a intenção de desempenhar um papel na sua vida em relação a determinado acontecimento, um casamento por exemplo.
todo o processo de casamento funciona da mesma forma em todo o mundo: as pessoas juntam-se em casais, têem filhos. o homem-macho a mulher-fêmea estão ligados pelos instintos biológicos da espécie.
observemos a interacção entre um grupo de primatas. estão organizados, teem um líder que conquista o seu lugar pela força. o macho-alfa comanda todo o grupo. as fêmeas facilmente ficam grávidas pouco depois de lhes vir o período.
Isto equivalia a que a mulher-femea posse habitualmente mãe aos 12, 13 anos.
o patriarca da família praticava incesto com as suas filhas. uma imagem horrível por certo, mas ilustra a diferença entre o potencial biológico da mulher, e a necessidade de esta necessitar de ter mais uns anos de preparação até perder a virgindade.
se não houvesse tempo definido o homem acordaria naturalmente ao nascer do sol e dormiria quando este se punha.
o equivalente a acordar às 6 da manhã e dormir às 20h... um ritmo alterado socialmente.

John Austin: As Conferências.

O sentido reside na frase enquanto asserção ou afirmação (do inglês "statement") elaborada a partir de um código, de uma estrutura gramatical com determinadas relações sintácticas e determinado valor sêmantico, segundo relações lógicas determinadas. O sentido resume-se a essa significação formal dentro de um quadro lógico que define os enunciados legítimos que se distinguem dos enunciados absurdos e dos enunciados falsos. A afirmação é a única forma lógica possível e tem como característica o seu carácter verificável.


quinta-feira, 19 de junho de 2008

a viagem do discurso

estou atrasado para um encontro nocturno
onde as aves de rapina se juntam e me esperam
e convergem os individuos desfocados.
tenho o discurso suado na minha mão esquerda
impregnado de retórica límpida
escrita na sombra do sol quente.
sei apenas de cor a primeira frase
e todo o resto foi apressado e moralista
no entanto este discurso que empunho
é concerteza de uma enorme beleza.
corro pelas ruas da cidade em direcção ao rendez vous
evitando os espioes de gabardine e os polícias que fazem a ronda.
cheguei discursei fui aplaudido e parti despercebido.

< voltar a António Ramos Rosa

Da grande página aberta do teu corpo
sai um sol verde
um olhar nu no silêncio de metal
uma nódoa no teu peito de água clara

Pela janela vejo a pequenina mão
de um insecto escuro
percorrer a madeira do momento intacto
meus braços agitam-te como uma bandeira em brasa
ó favos de sol

Da grande página aberta
sai a água de um chão vermelho e doce
saem os lábios de laranja beijo a beijo
o grande sismo do silêncio
em que soberba cais vencida flor



António Ramos Rosa
in Antologia Poética

ode do queiroz

sou Veloz como uma noz
ágil como um rio quando chega à foz
vou de barco
com os pensamentos amarrados com firmes nós
que se desfazem quando sobrevoa um albatroz
e caga em cima do feiticeiro de oz.

O Poeta Herberto Helder

Há cidades cor de pérola onde as mulheres

V


Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um des-
espero .fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.




Herberto Helder
Lugar
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979

dO Herberto Helder...

Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um des-
espero .fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.




Herberto Helder
Lugar
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979

saudade

saudade
essa palavra de contornos tão quentes
tão distante e tão próxima do meu íntimo
veracidade da ausência sentida
que se escapa entre as memórias e os sentimentos
como uma dama despida em privado que sorri

quarta-feira, 18 de junho de 2008

raiva

sinto raiva desta minha poesia
que cada vez mais obssessiva e mais nua se torna
mais um reflexo intangível do meu desassossego
quero apagá-la e queima la
mas estas palavras são a minha verdade incoerente
mais concreta que qualquer cimento
os meus alicerces são estes breves refúgios
onde meu corpo cresce, apodrece e renasce de uma vez só
nestes instantes
fico de fora a assistir espantado de olhar inocente
arrisco em sentir orgulho por ser mais que gente.

nada

Quando tudo parece já ter sido dito
surge me sempre um novo conflito
maldito
com que me debato e desunho na minha liberdade
e apesar de não ter espaço para mais cicatrizes
as minhas feridas sobrepôem-se e rearrumam-se
para que possa voltar a sangrar
e que possa voltar a revolver o meu corpo na terra húmida
e se forme uma pele de crocodilo
No entanto, ofuscado, perfilam-se breves instantaneos de lucidez
tacteando nas paredes da minha alma em busca de um pouco de escuro
mas continuo a ser fugitivo de mil disfarces
a ser enganoso e complacente
eu continuo sendo eu próprio descascado até ao ínfimo pormenor da minha mente.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

ignorancia

sei tão pouco
no entanto estas palavras que transpiro
são pequenas lembranças em que me retiro
em um balanço constante que se agita
que vagueia em tão incerta maré proscrita
e as minhas cores diluem-se como aguarelas
as minhas dores os meus únicos amores
despejados em becos e vielas
sou tão pouco cada vez mais
traçado em linhas tortas imortais
delineadas por mãos amputadas do meu desejo
por olhares cortados do meu ensejo
sou tão oco
vácuo permanente que me assoma como um louco
sou frases saudades lilases
bruscas guinadas no volante do meu destino
sou perfilado como filho de uma pátria
sou apenas mais um que canta o repetido e cansado hino.

sábado, 14 de junho de 2008

A Profundidade do Ser - Vergílio Ferreira

E de vez em quando descer à gravidade de mim, à profundidade do meu ser. E verificar então que tudo se transfigura. Que é que significa este garatujar quase gratuito, este riso superficial, todo este modo de ser menor? A melancolia profunda, tão de dentro que ela se iguala à alegria sem medida. Espaço rarefeito de nós, é o lugar da grandeza do homem, do que é nele fundamental, o lugar do aparecimento de Deus. Mas Deus não me aparece - aparece apenas a inundação que me vem da infinita beatitude, da grandeza e do assombro. Nós vivemos habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos verdade para a infinidade dos séculos.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 3'

A Esterilidade do Quotidiano - Agostinho da Silva

Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte, a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza, de liberdade e de amor guia através das noites obscuras e dos cerrados nevoeiros aqueles mesmo que nasceram mais fortemente desprendidos das animalidades primitivas.

Há como que o prazer da desordem, da irresolução, do pensamento confuso; quase se tornou censurável marchar com a regularidade dos astros, divinizou-se o acto imprevisível e o gesto que vem contrariar o do momento anterior; ninguém pára um instante para reflectir, coordenar as ideias, eliminar as que se mostram incapazes de em acordo se ligarem ao que de seguro ficou estabelecido. A fala medida e o silêncio que fazem possível o diálogo e pelo diálogo a viagem aos bordos mais longínquos do universo cederam o lugar a um discurso plural que deve ser aos ouvidos de Deus como zumbido importuno de insecto que teima em passar através da vidraça; quebra-se a barreira ateniense da harmonia e a barreira espartana da vontade e dá-se livre curso aos ímpetos, aos repentes, aos caprichos; troca-se o manso fluir dos grandes rios, a ondulação poderosa e calma do mar largo pelos cachões e as espumas das correntes que se entrechocam e batem. Que loucura vos tomou, meus irmãos homens? Urge que apeeis o Acaso do lugar divino que lhe destes, que lanceis, como diques e caminho da vida, as fortes linhas da inteligência ordenadora e da vontade, que acima de tudo se habitue a vossa alma a construir a existência com a pureza, o nítido recorte e a querida abstenção da estrofe de um poema.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Mundo autista

Vozes do mundo urbano anunciam o caos generalizado. Crises económicas globais, desastres naturais que devastam populações isoladas, atentados terroristas que se multiplicam, jovens suicidas armados até aos dentes que disparam indiscriminadamente em locais públicos, aquecimento global do planeta que descongela os pólos.
Vozes fazem discursos de alerta, fazem-se manifestações pacíficas e manifestações violentas, fazem-se movimentos migratórios ilegais, crescem os suburbios, os guettos, as mafias organizadas, o tráfico humano de pessoas inocentes, de órgãos roubados.
Vozes gritam o seu desespero, o seu medo, o seu infortúnio, enquanto os abastados se refugiam no seu filantropismo.

sábado, 7 de junho de 2008

desejo te

desejo te corpo de deusa transpirante
quente e ofegante
tomar a tua carne por um breve instante
perder me nas horas das tuas curvas como um ignorante
desejo te de ser ser um desejo constante
de me inebriar em teu perfume distante
despir me em ti perante
observante
ser um macho mais selvagem que um elefante

uma parte de um verso

sou uma parte de um verso
um gesto
um movimento imanente do universo
uma expressão de espanto um ar de controverso
sou faz de conta no mundo que atravesso
uma criança parte homem do nexo e do sexo
sou eu mesmo subtraído de todo o olhar desperto
inviolável
inquebrantável
um reflexo fugidio
um toque esguio
que desde sempre guardo num piscar de olhos
imóvel desde a chegado ao regresso
eu sou um coro celestial
mas mesmo assim não me confesso.

criticas

gostava de saber a tua sentença íntima
nao apenas o teu elogio ou a tua contemplaçao
destas palavras
gostava de conhecer a evocação breve destas palavras de poeta ébrio
desta liberdade que assumo e que exponho
no âmago do teu escarnecimento
o que dirias da minha nudez e das minhas rugas
das minhas alegrias
das minhas fugas
gostava de te ver compreender
gostava de te conhecer a identificar
as semelhanças e as diferenças
das minhas duvidas
e das minhas paixoes tambem
gostava de penetrar no mais ínfimo segredo do teu julgamento
gostava de sorrir para ti
e ser deus apenas por um momento.

sombra

apenas a minha sombra me conhece e me segue
a minha sombra que por vezes me antecipa os passo
a minha sombra que sou eu reflexo de mim mesmo de luz
eu que me transformo em carne
em amizade
em recordação
em uma réstia de saudade
este minusculo silencio que se expande pela eternidade
sou apenas um conjunto de reflexoes que me agingantam
que se concentram em multidoes que dançam
sem pontos finais
ou finais felizes pre concebidos
eu sou o resultado de todos os anteriores recem nascidos
uma consequencia de geraçoes passadas exponenciadas
mas eu nao olho para trás
sigo em frente o percurso desta singular mente
que simplesmente se manifesta enquanto o diabo esfrega o olho.

o meu portugal

inalcançável
um ser não possível de ser imaginado
de ser comcebido
ou determinável
este meu super ego que é voraz e selvagem
grito tribal de guerreiro
este meu ponto alto e quase insustentável
que desliza por uma pista supersónica de luz e som
na linha da frente da velocidade e das curvas
inalcançável este Portugal
país peninsular nação de armas
de mares desbravados e de sonhos conquistado
povo lusitano
que impera soberano nesta praia ocidental ao sol plantada
de gente que canta um fado de séculos eternizado.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

denso

descubro questões entre os paradigmas de mim mesmo
subtis incongruências que se revelam ao ritmo do tique taque
hoje presente neste tempo acumulado
que juntei no meu passado
este só meu silencioso discurso impregnado
de torpor e de luzes incandescendentes
sopros de vácuo fértil da terra húmida
lembranças fugidias e oleosas da minha mente que me desmente
sou uma contradição constante
um discurso idiossincrático nada prático

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Poeta

porque da arte do poeta fica a palavra-panaceia
e as sílabas do seu ego são cinzas dispostas
cinzas rearrumadas pelo vento
vento soprado das gavetas
gavetas-relíquias cheias de pó-de-arroz
pó-de-arroz amontoado pela poética
vestígios em cada frase de uma breve ética
ética encantada profana amiga ufana
pausada em cada linha
linha do carrinho de linhas do pensamento
pensamento vencedor universal glória do poeta.

tudo é tão pouco
do pouco resta a alma do poeta
brisas escapam das frinchas das gavetas
amores flores desamores tudo cores tudo tretas
no punho do criador-asceta.

o poeta não finge não maltrata não espera
simplesmente tem pena
pena pequena de não poder ser traduzido
uma réstia de incerteza
que escorre pela ampulheta do seu tempo
uma fome uma pobreza que não tem forma
um contrato sem termos vícios enfermos


e das frinchas das gavetas surgem sonetos inacabados
versos e rimas de passos trocados
das frinchas das gavetas abertas ao vácuo e ao redor
libertam-se letras
de idiomas de povos extintos
as trovas as demoras
os chapéus de chuva as tempestades de sol
a saudade que impera
a vontade que espera
o olhar ofuscado das antenas do caracol

da arte do poeta resta a beleza despida e devassa
a vida concreta o quotidiano que passa
agitação embrulhada no silêncio do pecado
arte doce e alegre como um rebuçado
que se consome devagarinho
e se guarda num cantinho fechado à chave.

Anátema

é já enorme o alarde dos gatos pretos
e dos gatos pardos que olham nos olhos
e não há espaço na algibeira para mais conhecimento
não há sequer um alibi de mentira
o tempo torna-se amorfo e desconcertado
o tempo que somos nós o chinfrim pelas ruas espalhado
não há redenção ou purificação pelo baptismo
todos os insultos condensados num inesgotável sismo.

A Morte

A morte está atrasada
ainda bem
posso dançar sobre a morte
tirar-lhe o sentido
tirar-lhe o norte
posso cantar
amar
ler
e ser esquecido
posso beber líquidos sem suspirar
a morte está viva e feliz
mas está atrasada
o atraso é a vida
vida de ser passada
de ser sempre pontual
a morte está atrasada e não faz nada mal.

terça-feira, 3 de junho de 2008

O meu olhar está embrulhado como uma pastilha
Tenho o vício de comer três ao mesmo tempo
Fazer balões gigantes e estridentes balões ervilha
No espaço interior o meu ar se espalha
Certo que o silencio desprovido de argumentos
Ausente de consequencia
Está entre o ceu e o precipio
Entre o caminho sinuoso do vicio
Guarda de senteça propria
Alma e sonho de poder
Duras as palavras que me restam escrever
Sao as memorias do tempo perdido
De um longo tunel de atrvimento dividido
Semblantes e esgares na sombra distante
Forças que surgem ao sinal de perigo
Na folha dos meus erros assino
No efeito de borboleta te estimo
E nem que sejam dias semanas passadas
As revelaçoes encontradas
Sao corrente forte do rio que me perpassa

As vezes dou comigo ausente
Distante do tempo presente
A velocidade do som multiplicada pelo passado
Tesouro sagrado improfanável
Juizes corruptos que perseguem os aflitos
Declarçoes e desmentidos

sempre...

Sempre que recebo o teu olhar as minhas fronteiras se expandem
O meu som fica mais grave que um relâmpago
O meu espanto desagua num oceano de ondas gigantes
E o meu desejo arrefece na lava que me percorre o corpo.
Sei pouco mais que um segundo do sol
E a densidade do meu pensamento
Equilibra-se numa folha de papel distante.
A forma do teu corpo é uma bala
O disparo dos teus seios um sonho importante
Procuro A eterna virgindade do teu utero
O embrião líquido de proteínas
Saliva e sangue perfumados

Sei quando te toco porque sou homem de sémen
Desejo que despe e me revela
Sou mais uma vez adão no meu éden
A semente de uma geração
Origem desta espécie que pensa o que faz
E diz uma sentença com mais que uma intenção
Vejo do meu evereste A sequência dos impérios caídos
Vejo as vidas revividas
Gente de peles coloridas
Os pensadores, os inventores, os cientistas, os artistas
Os anónimos sonhadores, os pescadores, os pessimistas
Os que se vestem de seda com sede
Os que se alimentam do vício
Parte da rede
Os vendedores ilegais de ervas
Os traficantes de armas e de conservas
vejo-me a mim mesmo irreflectido na génese convexa da realidade de um espelho.

devaneando...

Eu expando-me, permanecendo entre o espaço de todos os pensamentos, de todos os que pensam por momentos entre o frágil equilibrio do olhar e do sonho.
espantado de ser gigante entre maiores gigantes
uma espécie de extravagância verbal inacabada
um idioma fantasma de plasma
uma vaga recordação de abril e da luta de classes
e a velocidade do comboio chega a supersónica
e ao mesmo tempo, concentrando todo o espectro de luz que me arrepia a pele de lama
chama de um fogo que se chama fogo
labaredas de flores de petalas usadas
eu observo pela perspectiva de um esgar formas invisiveis de oculos escuros
e lábios de manteiga que me beijam o pescoço...conecto o hiperespaço.

a correr

Lá fora
O mundo pulsa
O mundo expulsa
O mundo acredita
O mundo sente repulsa
E entre lá fora
E aqui dentro
A minha mente expande
E concentra o mundo
No lugar mais fundo
Da espinal medula
da espiral dos ventos
da espuma das ondas
do meu sangue que pulula
areia dAs minhas metáforas
vaidades ignorantes
Quero que estas palavras sejam rochas que se desfazem nas mãos
que não sei escrever
escorra saliva dos meus dedos
A saudade e o corpo de ser homem sem ser criança
A sentença está marcada
O martelo bateu bateu forte
E o eco ecoou e bateu nas portas
Foge a correr deste sonho
sobe a escada infinita
Caminho ascendente e proscrito
Mas Eu sou tão ágil
Tão elástico e tão frágil
Poe te em chamas
Que nao me enganas
Saltas as camas
Corre corre
Corro para pegar nos teus seios
encontrar me perante o teu deslumbramento
todos os teus sentidos
Condensados no suor de um momento
Olhar te nos olhos de deusa
Infinitos e puros
Dos rios correndo
céu de nuvens de beijos
perdidos no teu horizonte mais intimo
Revelas te para mim até no sofrer
E as mensagens
Os teus mais inalcançáveis segredos
São para mim duas rosas e um por do sol
um pouco mais de ti
Guardado assim
As mãos nos bolsos vazios
correndo na alma cheia
como a chita na savana
o mais rápido dos falcões
É fácil
É tão simples ser complexo
Expirar
Inspirar
E deixar levar pelas conjugações
Pelo tempo dos relógios
Pelo tempo que anda para trás
O sonho é uma longa estrada
Distante dos tempos
Os impulsos são fortes
decididos
Foge do vento
E ultrapassa
O silencio
Fugaz e esguio
Que se entranha como uma concha

Poema absurdo

Fiz as malas vazias e deixei esta casa que habito
Ao fechar a porta deixei me todo lá dentro
de pedra o vago sentimento
sentido da sombra do infinito.
Deixei a esperança no meu relógio avariado
A minha roupa foi devorada pelo vento
E a coragem enviei-a num postal ilustrado
os meus sapatos derreteram-se na lama do descontentamento

e na rua nu e descalço
apenas mais um foragido sem lei e sem abrigo
certo porém de encontrar algures numa esquina um reino perdido
e um castelo de ouro gigante e divertido

As letras do meu nome assinaram divórcio
Parti sem passado para além do meu corpo entre a pele
As minhas lágrimas são agora herança das nuvens
procuro um oceano para naufragar a minha idade
uma cidade fortificada para resguardar a fragilidade
do medo eterno e felino
e mais presente
mais dilacerado que devorado pelo destino
a força das minhas palavras
as linhas da minhas mãos leis de luz

palavras lunares

Existem palavras só minhas
Palavras que são a minha filosofia
que quando ditas a minha esperança desfia
brilhos de luz na vista cortantes
dessa imagem nunca vista nunca sentida porém antes
Polaroid de incertezas
Enquadradas no espaço fechado
A minha estátua digital
a imagem parada das minhas incertezas

Duvido que hoje te falte a lua
E que das suas crateras saiam feras
reflectidas na pele nua
No desenho intangível que mingua
dA lunar forma de esferas
E entre a distancia do tempo
e o tempo distante que demora a ser já hora
tenho tanto tempo brilhante
para me demorar no teu corpo de amora.

já agora não te vás embora...

domingo, 1 de junho de 2008

discussão

Quero dizer cem vezes.
Quero dize lo sem ultrapassar os meus pés.
Caminhar antes da tua sentença
(no entanto a vertigem arrepiante da distância entre os lábios é que eu quero )
eu sei
eu sei que olhas para mim com olhos de visão desfocada
eu sei
eu sei que é pouco
mas o atraso é grande
A tua sentença eu posso moldar bem
Os teus lábios moldam a minha vertigem
Eu sei
eu sei que é pouco
(tu não sabes puto porque te refugias)
A placenta tambem é pouca e faz milagres
Pois bem com a tua sentença eu não chego teu aos lábios
estou atrasado no meu tempo
Eu sei todos os minutos do atraso
mas quero lá saber disso...
Tu sabes a sentença sabe ou se atrasa
Eu não sei mas tu sim nao te atrases

Vamos lá decidir isto
tu perdes e eu decido
Quero ganhar-te Portanto perdes e pronto. Ponto final
decidimos isto assim e nao quer dizer nada
decidimos em conjunto porque o teu silêncio não se atreve
e a tua presença seria um pouco inexplicável
Agora se queres ganhar é outro assunto
de dualidades estou eu cheio

Eu sozinho nao decido nada
És tu que nao sabes bem e eu aqui a desconstruir o discurso
Eu sei que isto já está escrito

o inconsciente colectivo de sally


Desabotoo os duzentos botões do corpete de sally, entre o cheiro sensível de pó-de-arroz e um suor metálico de radiação electromagnética. Lentamente vislumbro o peito firme, abre os olhos sally, são de uma côr transparente que uma vez vi. uma côr do acontecimento mais profundo de ser máquina. Do seu corpo soltam-se faíscas e interferências. Treme de falta de energia. Entre a luz presente e dissipada do acto, resulta uma transparência nunca antes vista. Abre-se o portal. perante mim Ignastérie, empunhando uma mão cheia de desejos. Confuso pelos abundantes desejos, Ignasterie pede me a luz dissipada do passado...entro no inconsciente colectivo a toda a velocidade.Afinal deste conjunto de informação não resulta o mesmo efeito que uma qualquer acção espontânea. Pelos vistos há de haver quem faça a revisão dos textos. Eu cá por mim limito-me a transcrever a viagem no hiperespaço. o olho do falcão vê mais que qualquer cristão. Pois quem muito construir não tem falta de mugir. Agua benta dá-sese a que se quer, se não deixares a mulher. Da tónica e do acento sabe quem faz juramento. De couves e nabiças estão cheias as submissas. Dá lhe muito se te arrima, dá lhe pouco se não se atina. Faz a cama de madrugada, se ficaste com a empregada.Guarda a chave bem guardada se te vais fazer à estrada.Entre a falta e a fartura já não há quem te atura. dois dedos de mistura entre a farinha e a fartura. Quem muito mente sabe a mentira inconscientemente. Sally ouve em repeat a sabedoria popular em stereo.

surrealista



Vestido está o colete do atrevimento
Entre o arrojo comedido e a moda futurista
Nas mãos a espada afiada que se derrete como manteiga
Agora é a chapada gordurosa do artista.
Olhar de voyeur
femme fatale que se exibe entre as pernas
vertigem arrepiante da distância entre os lábios
e O limite hiperactivante dos poros
pupilas dilatadas de desejo
A coerência do infinito armado em espertalhaço
Lá porque tens amigos em high places eu quero lá saber
Eu tambem passo os sinais vermelhos só porque sim
O pó que respiro é de gerações passadas
Pelo pó voltarei a ser inspirado
Carrego nas mãos um piano que me escorrega
Equilibro continuo das notas
mas o que preciso é de umas boas botas.

Noite ébria

A noite caiu e sobre mim perdura
Noite de alta temperatura
As horas do tempo que passa
Descrevem um circulo em que giro
Horas do tempo que me trespassa
Minutos de ébria fumaça
Gente em que penso
olhares desejos secretos condenso
Neste refugio de sorte e de desgraça
Assente nos alicerces do sonho perdido
Tremo defronte do vazio
Fujo e escondo o cansaço
E sempre que algo me chama
Descubro o alarme e a noite na cama
Sei o que o todo de mim me sussurra
A verdade que me agarra e esmurra
E frente a frente com o meu peito erguido
Lanço gritos condensados no mais pequeno suspiro.

Void vs Void

Pseudónimo: Eugénio Péssimo

Se alguém perguntar porque escrevo
E do que escrevo o significado
Esse alguem que leia toda a literatura
E no ultimo ponto final de todos os pontos finais
Inicie não a pergunta mas a resposta que procura.

Sou Eugenio Pessimo de multiplas identidades
por um só momento sombra
Sombra do meu corpo das sombras que sou
parte dos olhares das partes das sombras que não sou
A memória sombra que de sonhos se transformou
E de atrevimento desmedido
Com arrojo e certeza de bandido
Sou a figura imponente do pecado
Redijo as palavras que redimem o significado.