quarta-feira, 4 de junho de 2008

Poeta

porque da arte do poeta fica a palavra-panaceia
e as sílabas do seu ego são cinzas dispostas
cinzas rearrumadas pelo vento
vento soprado das gavetas
gavetas-relíquias cheias de pó-de-arroz
pó-de-arroz amontoado pela poética
vestígios em cada frase de uma breve ética
ética encantada profana amiga ufana
pausada em cada linha
linha do carrinho de linhas do pensamento
pensamento vencedor universal glória do poeta.

tudo é tão pouco
do pouco resta a alma do poeta
brisas escapam das frinchas das gavetas
amores flores desamores tudo cores tudo tretas
no punho do criador-asceta.

o poeta não finge não maltrata não espera
simplesmente tem pena
pena pequena de não poder ser traduzido
uma réstia de incerteza
que escorre pela ampulheta do seu tempo
uma fome uma pobreza que não tem forma
um contrato sem termos vícios enfermos


e das frinchas das gavetas surgem sonetos inacabados
versos e rimas de passos trocados
das frinchas das gavetas abertas ao vácuo e ao redor
libertam-se letras
de idiomas de povos extintos
as trovas as demoras
os chapéus de chuva as tempestades de sol
a saudade que impera
a vontade que espera
o olhar ofuscado das antenas do caracol

da arte do poeta resta a beleza despida e devassa
a vida concreta o quotidiano que passa
agitação embrulhada no silêncio do pecado
arte doce e alegre como um rebuçado
que se consome devagarinho
e se guarda num cantinho fechado à chave.

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